Mundo digital e sociedade, um grande desafio para os movimentos

, par  AGUITON Christophe

Introdução

Estamos conhecendo “a digitalização do mundo”. Uma frase ao mesmo tempo justa - porque mostra a importância fundamental do mundo digital nas nossas vidas e nossas atividades - e falsa no sentido em que só são virtuais nossas interfaces, nossas relações sociais e as realidades do mundo bem como os processos de produção nas indústrias e no setor de serviços.

A digitalização dos processos de produção tem um impacto muito importante sobre os empregos e a organização do trabalho. E a digitalização das nossas interfaces atinge o essencial das nossas atividades: comunicações, relações sociais, acesso ao conhecimento, pesquisa científica, lazer, transportes, vigilância, funcionamento controle de quase todos os dispositivos técnicos, etc. etc. Esta digitalização altera profundamente nossas relações com o espaço e o tempo, o que podemos todos experimentar nas nossas comunicações e acessos à informação e ao conhecimento.

A difusão generalizada da digitalização remete à sua extraordinária capacidade de inovação. Uma característica que se explica ao mesmo tempo pelo caráter genérico dos seus instrumentos, a começar pelo que tange o material, microprocessadores e memórias, pelos efeitos de acumulação e de simplificação no desenvolvimento de "softwares", amplamente facilitados pelo "software" livre, e o baixo custo inicial destes desenvolvimentos de aplicativos.

Este espectro extremamente amplo de domínios transformados pelo mundo virtual abre uma lista quase infinita de perguntas e problemas. À lista dos domínios em questão deve-se acrescentar os novos problemas surgidos pelo crescimento exponencial dos dados produzidos e armazenados e pela importância dos algoritmos nas aplicações e serviços. Seria impossível querer tratar deste conjunto de perguntas, portanto será necessário concentrar-se nos pontos essenciais, inclusive aqueles que afetam especificamente os movimentos.

Conhecer a história das tecnologias digitais e compreender sua plasticidade

As tecnologias digitais, talvez mais que todas as demais, têm uma plasticidade que torna o seu desenvolvimento estreitamente vinculado à evolução da sociedade. Nos anos 1950/1960, o computador permitiu o acesso das sociedades desenvolvidas aos serviços bancários e tornou-se igualmente indispensável às administrações e às grandes empresas, mas o fez integrando os códigos do taylorismo. Nos anos 1970, a contracultura americana, estreitamente vinculada ao movimento mundial de 1968, e o desenvolvimento dos microprocessadores estiveram na base de uma revolução na informática com o aparecimento e o desenvolvimento dos microcomputadores e a Internet em oposição frontal às tecnologias dos grandes atores da informática, IBM principalmente, e as telecomunicações.

Este contexto histórico é importante para apreender a importância das lutas políticas de hoje sobre a neutralidade da rede, assim como sobre as liberdades públicas.

Defender as liberdades fundamentais

A partir da utilização dos computadores, nos anos 1960 e 1970, para constituir arquivos maciços, colocou-se a questão da vigilância e de seu corolário, a defesa das liberdades. É neste período que foram criados os organismos de controle, como o CNIL (Comissão Nacional de Informatica e das Liberdades), na França.

Hoje, na era do “big data”, dos algoritmos e da inteligência artificial, estas perguntas são de uma atualidade ainda mais importante.

Manter um ponto de vista reflexivo sobre os progressos da inteligência artificial

A inteligência artificial, nascida a partir dos anos 1960, conheceu uma extensão considerável nos últimos anos, graças aos recursos de “big data” e à introdução de novas abordagens (deep learning). Um olhar reflexivo é hoje indispensável perante este desenvolvimento, como recomendam numerosos cientistas…

Desenvolver a produção e o acesso ao conhecimento e à informação

O desenvolvimento de ferramentas colaborativas livres foi prodigioso nestes últimos anos, do "software" livre à wikipedia e openstreetmap. Dois eixos de trabalho merecem ser estudados: como ajudar ao seu desenvolvimento? e, mais genericamente, como as ferramentas digitais participam na transformação das aptidões humanas para apreender os conhecimentos?

Fazer do “conhecimento comum, partilhado e imaterial” o ponto de apoio para a auto emancipação

O desenvolvimento “dos comuns” é tanto uma alternativa ao capitalismo como ao estatismo. O mundo virtual viu emergir uma nova geração de compartilhamento, o do saber e o do conhecimento. Estes conhecimentos comuns têm características novas: são mundiais, na maior parte, são geridos por “modelos de governança” originais e oferecem, na maioria dos casos, um acesso gratuito à sua produção. Estas características pedem para ser estudadas, para compreender os mecanismos e as perguntas que geram, mas também para refletir na sua possível extensão para outros domínios da atividade humana.

Um imaterial baseado no material

O virtual é certamente imaterial, mas não pode desenvolver-se sem uma base que é muito material: metais, terras raras, plásticos, acesso à energia… estão na base dos data centers, computadores e outros, dos smartphones. E a fabricação desses instrumentos é hoje inseparável da exploração maciça de milhões de trabalhadores com condições de vida frequentemente muito precárias. Questões das quais não é possível se esquivar para pensar um mundo livre da exploração do homem pelo homem e reconciliado com os limites do planeta.

O mundo virtual e as novas formas de sociabilidade

O foco sobre as relações sociais e a democratização maciça da produção de conteúdos está no centro das redes sociais digitais. Deve ser discutida a questão das plataformas, a natureza da sua propriedade ou dos algoritmos que são o seu centro.

Mundo virtual, trabalho e emprego, vigilância, exploração e emancipação

A organização do trabalho e a estrutura dos empregos foram alteradas pelo digital. A introdução da inteligência artificial ameaça novas categorias de emprego, frequentemente qualificados. E a introdução da digitalização nas organizações acompanha a ampliação do trabalho em "modo projeto” e a redução das cadeias hierárquicas. Permite igualmente generalizar os procedimentos de controle do trabalho dos assalariados, em especial para tudo o que é da competência das plataformas de serviços e do trabalho por turnos. O desafio é, portanto, ver como lutar contra estas novas formas de exploração e utilizar a digitalização para favorecer novos espaços de liberdade e de luta pela emancipação.

O mundo virtual e a transformação dos modos de envolvimento

As novas formas de envolvimento militante, geralmente intermitentes e sem a mediação de organizações perenes, são inseparáveis da digitalização digital, o que facilita a aposta nas relações e na produção de conteúdos por qualquer participante. A construção de uma memória coletiva ou a existência de relações inter geracionais são algumas das questões não resolvidas por estes novos modos de engajamento.

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